M trabalhava há uns 20 anos como médico em I, um famoso hospital privado do estado. Ano após ano, M realizava o que talvez seja o mais nobre trabalho de um médico: ele fazia partos. Tinha o apelido de “parteiro 100%” porque, bem, M era exigente e detalhista. Os pacientes, claro, adoravam. Afinal, quando se trata de um nascimento, nada é mais verdadeiro do que o ditado que diz “todo cuidado é pouco”.
A equipe médica do hospital geralmente gostava de trabalhar com M. K, por exemplo, dizia:
– O doutor M faz a diferença! Quantos erros deixamos de cometer por conta dele!
E o que dizer do testemunho do residente J?
– M? M é um mestre! Exige muito, mas a gente vê o resultado no sorriso das mães e nas lágrimas de satisfação no rosto dos pais!
A vida de M era assim: estudava a arte de fazer nascer bebês e a praticava com afinco. Os resultados não tardaram a aparecer: ano após ano, as cestas de Natal e lembranças pelo aniversário vinham em grande número, mas M gostava mesmo dos cartões de agradecimento, uns com fotos de bebês, outros apenas com frases emocionadas. Guardava-os todos em seu consultório, em um imenso quadro, atrás de sua mesa.
O diretor do hospital, Q, dizia ter orgulho de M, o qual, generosamente, dizia que o mérito não era apenas seu, mas de toda sua equipe. Para dizer a verdade, os ensinamentos de M estavam nas ações de cada um dos seus membros. Era uma equipe campeã.
Cada nascimento era uma celebração para pais, parentes, M e sua equipe. Até que um dia veio a ordem do departamento de marqueting do hospital. M quase caiu de costas ao ler o memorando.
– Como é?
– Isso mesmo, doutor M.
– Mas, K, deve haver algum engano. Isso é impossível.
– Também acho, doutor, mas é isso mesmo. Eu conferi com a secretária G.
Sim, a ordem era bizonha. O departamento de marqueting queria que os partos fossem, a partir daquela data, feitos em, no máximo um minuto. Dizia o memorando que eles até aceitariam uns dois minutos, mas que isso seria levado em consideração na avaliação anual dos médicos e de suas equipes.
– K, o que vamos fazer?
– Não sei, doutor.
– Sabe que isso vai causar mortes, danos,…é uma loucura.
– Pois é, doutor. O povo do marqueting parece não saber sobre como se ganha o pão em hospitais, né?
– Sem dúvida.
A despeito de tudo, as equipes tentaram ignorar a ordem, mas logo vieram novos memorandos com ironias e insinuações sobre a diferença de fundos do marqueting em relação aos médicos.
Até que chegou o dia em que uma das funcionárias do marqueting resolveu ter seu filho no próprio hospital, aproveitando um recém-implantado sistema de descontos para funcionários.
– Doutor M, eu sei que o senhor é um excelente médico, então quero ter meu filho aqui, com o senhor e sua equipe.
– Com certeza, senhora N. Assine aqui e aqui. O cartão do convênio a senhora já apresentou na secretaria, certo?
– Sim senhor.
– Pois então, agora, senhora N, não se esqueça. Segundo o contrato, cuja elaboração contou com sugestões de seu departamento, a senhora deve fazer o parto aqui.
– Mas é tudo o que eu quero!
– Sim, e não se esqueça que o parto da senhora não deverá demorar mais do que 1 (um) minuto.
– Ah, isso não vale para mim, não é, doutor M?
– Pelo contrário, senhora N. Para a senhora é que vale mesmo.
Algumas semanas depois, a senhora N perdeu seu filho na mesa de operações. O doutor M, outrora um bom médico, sentiu uma renovada e obscura satisfação, fruto das regras que o departamento de marqueting havia criado. Atrás de sua mesa não se via mais cartões ou fotos de bebês, mas sim uma imensa tabela com pontos e metas absurdas para o tempo de um parto.
Ah sim, ele ganhou um bônus naquele ano e o hospital faliu pouco tempo depois, sob uma pilha de processos e por uma reconhecida incompetência, não só na arte do parto, mas também na de gerenciamento de recursos humanos.